Por que a indústria do empreendedorismo de palco irá destruir você.
[por Ícaro de Carvalho via Medium]
Palestras bonitas, termos em inglês, pessoal super engajado e microfones do tipo Madonna, muito Power-Point e nenhum negócio real para mostrar…
O empreendedorismo é a nova religião do homem moderno. Materialista e secular, ele substituiu os Santos do seu altar por fotografias de homens bem sucedidos; os seus Evangelhos são livros como “O sonho grande” e “A força do Hábito”. Ele acredita, de alguma maneira, que tudo aquilo irá aproximá-lo do seu objetivo principal: sucesso, fama e dinheiro…de preferência agora!
Quem visita as livrarias com certa regularidade percebeu que, nos últimos anos, a sessão dedicada ao empreendedorismo e aos negócios cresceu de uma maneira violenta. É espantoso: para onde quer que você olhe, eles estão lá. Obras que prometem os códigos da riqueza, os segredos da abundância, os cinco passos para o sucesso e como você aprenderá a pensar como o Steve Jobs.
Não tem como negar: o empreendedorismo veio para ficar e, com ele, o seu fenômeno mais recente: o empreendedor de palco.
Empreender se tornou auto-ajuda.
Se, antigamente, os livros, enormes e com suas setecentas páginas, cuspiam fórmulas, equações e cálculos que te ensinavam a lidar com o fluxo de caixa da sua empresa, hoje eles dizem: “Você irá chegar lá! Acredite, você irá vencer!”. A atividade empresarial foi reduzida à pura e pobre política do incentivo. E o motivo é simples: as pessoas compram o que elas querem ouvir. Geralmente, odiamos a verdade; principalmente quando ela diz que teremos que trabalhar duro e que as chances de vitória são mínimas.
O Brasil é um país que lê pouco. Em uma nação com 230 milhões de habitantes, um livro ser categorizado como best-seller ao vender quinze mil é uma piada. E, vamos ser sinceros? A vida aqui é dura. O governo nos atrapalha, a burocracia nos sufoca, os custos nos aleijam… tornar um negócio lucrativo e perene nesse país é uma proeza digna de um herói. E essa atividade drena cada pedacinho da nossa alma e do nosso ânimo.
É nesse momento que o empreendedor de palco cresce.
Mindset, empoderamento, millennials, networking, coworking, deal, business, dead-line, salesman com perfil hunter…tudo isso faz parte do seu vocabulário. O pacote de livros é sempre idêntico e as experiências são passadas da mesma forma:
Você está a um único centímetro da vitória. Não pare! Se desistir agora, será para sempre. Tome, leia a estratégia do oceano azul. Faça mais uma mentoria, participe de mais uma sessão de coaching. O problema é que o seu mindset não está ajustado. Você precisa ser mais proativo. Vamos fazer mais um powermind? Eu consigo um precinho bacana para você…
O empreendedor de palco torna aquele grupo a sua empresa. Aquele coletivo passa a ser o seu curral e a sua clientela. O seu mercado é a esperança e o seu produto é a sua habilidade de, a cada novo vacilo, insistir que a força de vontade e aquele sentimentalismo barato serão a resposta para você.
Por não possuir, na maioria das vezes, experiências com o mundo real, esse tipo de cara se agrupará com tantos outros, para que seus produtos se tornem complementares. Eis que surgem os grupos de relacionamento, ou também chamados de powerminds. É um lugar onde pessoas com negócios reais vão tomar lições com sujeitos que nunca abriram um CNPJ…
Perceba que não é muito difícil reconhecer o embuste. Ao entrar em algum desses lugares, pegue uma folha de papel e a divida ao meio. Escreva de um lado: “Discurso emocional” e do outro “Discurso prático”. Anote a quantidade de vezes que ele passará conceitos e estatísticas validadas em negócios reais, versus o tempo que gastará falando sobre motivação e como você precisa trabalhar a sua força de vontade.
E esse é um movimento, ao que me parece, sem volta. Até mesmo as maiores revistas de negócios do país adotaram esse estilo de empreendedorismo compromissado mais com o entretenimento do que com os resultados. Essa massa de gente que chegou até aqui atrás de auto-afirmação, ignorando o trabalho duro e as verdades que você só aprende atrás de um balcão de loja de materiais para construção, acaba moldando a maneira com que as revistas e jornais da área se comunicam. O resultado? Todo tipo de bizarrice.
O resultado de tudo isso é uma indústria que beira a esquizofrenia. Que dissociou completamente a atividade empreendedora dos negócios, da ralação, das contas e das noites mal dormidas. É gente que acha que abrir empresa é o substituto adulto para quando, adolescente, você fazia uma banda. Hoje os encontros para empreendedores mais se parecem com igrejas neo-pentecostais, com gente pulando, gritando, louvando ao Deus Mercado, para que tenham sucesso em suas empreitadas…agora, que empreitadas?
Quase não há negócio.
Eu vou dizer uma coisa para você, depois de oito anos no cenário de business-design, redação publicitária e marketing de conteúdo: de cada dez pessoas que entram por aquela porta, sete são o que eu chamo de “aprendedores compulsivos”. O resultado final é o que menos importa; o que eles querem é ler mais livros, acompanhar mais artigos e estar por dentro do que há de mais novo no cenário. Dois estão ali apenas pelo networking. Fazem dinheiro ligando as pontas, independentemente de qualquer cenário. É o “corretor imobiliário” do empreendedorismo, conhecendo gente que tem necessidade e ligando a outros. Um acabará empreendendo.
Isso é um encontro para empreendedores, chamado Business Mastery, aplicado pelo Tony Robbins. Aqui, o homem moderno demonstra o seu avanço razoável e espiritual sobre as antigas religiões bárbaras do planeta. O dinheiro é o novo Deus.
Desses “aprendedores”, boa parte terá, ao longo de dois ou três anos, memorizado todas essas palavras de incentivo, lido os livros e feito os treinamentos e, sem que tenha feito qualquer negócio, acabará se tornando mais um empreendedor de palco. Faturará com os seus treinamentos milagrosos, que servirão ao seu professor para que diga aos outros: “Estão vendo? Ele venceu! E venceu aqui dentro! Viu como falta muito pouco para que vocês cheguem no topo?!”. E a histeria se instaura.
Pouco a pouco, o modelo ideal de sucesso deixa de ser construir uma boa empresa, que serve aos seus clientes e à sociedade com ótimos produtos e soluções e passa a ser se tornar mais um desses caras, que vendem palestras e enchem congressos com mais e mais auto-ajuda barata. Por que? Porque é muito mais fácil…e, na maioria das vezes, rentável.
Tá. E o que tudo isso tem a ver comigo?
Se você está pensando em abrir um negócio ou entrar de vez na economia digital, oferecendo produtos ou serviços, ou até mesmo utilizar a internet como poder complementar a um negócio físico que você já possua, tome cuidado! Há uma indústria de falsas promessas e de prosperidade barata, que tentará te capturar.
O remédio para tudo isso? Esqueça a ideia de que há um caminho mais fácil. Empreender é difícil e envolve coragem, comprometimento e muitas noites sem dormir; aquela azia constante no estômago e a sensação de que tudo, de uma hora para a outra, irá desabar. E é exatamente isso que, não te matando, te tornará mais forte e pronto para encarar a vida.
Sem choro. Você sabe que livros são importantes, mas a maioria é puro lixo sentimental. Auto-ajuda barata, que só enriquece quem os vende. Você quer saber quais são os 20 passos para a prosperidade? Eu vou te dizer o primeiro: trabalhe duro. Entre uma xícara de café e outra, você irá aprendendo os outros 19.
Quando o assunto são negócios, prefira sempre a sabedoria do filósofo e Guru Rocky Balboa. E trabalhe. O sucesso vem bem depois, quando você estiver quase desistindo.
P.S: Quando esse texto foi criado, ele se utilizou da expressão “mastermind”. Era do meu desconhecimento que, no Brasil, tal expressão era uma patente constituída. Por conta disso, substituí o termo por um equivalente e me retrato quanto às turbações causadas ao titular do termo.